Dez anos depois: por que é tão difícil associar mudanças pequenas com grandes resultados?

Diz a história que quando Galileu Galilei tentou provar à sociedade italiana do século 16 que a terra girava em torno do Sol, os céticos retrucaram o argumento olhando as gaiolas de passarinhos da praça. Se a terra gira em torno do Sol como ele dizia, por que os pássaros da praça não caem das suas gaiolas?

O resto, como dizem, é história, mas desde aqueles tempos podemos ver que a mente humana não consegue visualizar mudanças sutis, surpreendendo-se apenas com uma mudança enorme ao longo do tempo.

Podemos ver este efeito em ação toda vez que alguém nas redes sociais posta alguma transformação antes e depois, ou algum throwback da vida; só percebemos os resultados quando eles têm uma transformação significante. Por isso nos impressionamos quando vemos fotos antes e depois da academia, prédios depois de completos vs durante o terreno baldio, e milionários que aparecem “da noite para o dia” sem ninguém ter acompanhado os anos de trabalho duro que eles tiveram que passar.

Para nós do FIRE esta realidade é rotina, pois sabemos que nosso projeto é para o longo prazo, e conversamente não podemos esperar mudanças grandes rápidas. Porém, alguns aspirantes e observadores do movimento FIRE e educação financeira se decepcionam com este fato; eles não veem o poder que pequenas mudanças – mas mudanças-chave – podem causar ao longo de uma grande jornada.

Este pode acabar sendo o maior tesouro do movimento FIRE: são aqueles menores hábitos, como escolher a fazer seu próprio café ao invés de comprar pronto todo dia, utilizar as lacunas de tempo que existem no seu dia, e simplesmente encontrar felicidade e conhecimento na rotina da sua vida que lhe levará à independência financeira ao longo da viagem.

Como as mudanças grandes se tornam resultado direto das nossas mudanças pequenas cruciais?

Hábitos como juros compostos

Se existe uma coisa que sustenta nossa rotina como um esqueleto, esta coisa definitivamente seria os nossos hábitos. Hábitos guiam e dominam nossas decisões em todos os nossos momentos inconscientes e quando não estamos focados em alguma tarefa. Uma vez que você possui esta consciência, fica claro que está conosco o ônus para escolher e adotar os hábitos certos para conseguirmos nos desenvolver financeiramente.

Mudanças e implementação de novos hábitos nem sempre são fáceis, mas são estas mudanças de hábitos que nos trazem os maiores retornos em nossas vidas ao longo do tempo. Qualquer livro de finanças pessoais e blog da finansfera irá lhe falar que juros compostos são o ingrediente necessário para o seu sucesso financeiro, mas são poucos aqueles percebem que o mesmo conceito é aplicável para seus hábitos no seu desenvolvimento pessoal.

Considere, por exemplo, exercício físico. Todos sabemos que é necessário nos exercitar para manter uma vida saudável, mas achar a disposição e tempo pode parecer complicado em princípio. Porém, como vimos anteriormente, falta de tempo é muitas vezes uma ilusão causada por conflito de prioridades: priorizamos assistir TV ou ficar nas redes sociais ao invés de contribuir para a saúde.

Porém, e se aplicássemos uma pequena mudança aqui: ao invés de ficar 30 minutos assistindo TV assim que chegamos do trabalho, colocássemos nossos tênis de corrida e fizéssemos uma caminhada perto da nossa casa? Não é nada super forçado, nenhuma preparação olímpica. E nem precisa ser desagradável: traga seu celular e fone de ouvido e continue com sua programação favorita durante a atividade. Não é nenhum sacrifício, correto? Uma mudança mínima, talvez?

Ainda assim, esta mudança minúscula no seu dia sozinha é responsável por fornecer a você a quantidade mínima necessária de exercício semanal para se manter saudável. E isso, composto sobre o período de anos e décadas, fará a diferença entre depender de remédios e médicos, ter uma condição saudável e uma mente feliz no seu futuro.

Ainda assim, você não precisa parar por aqui: se isso lhe traz valor, continue a adicionar outras pequenas mudanças junto à essa. Aumentar os exercícios, melhorar a dieta, começar a ir à academia… E no final das contas você estará numa condição muito melhor. Nenhum segredo aqui: apenas mudanças cruciais aplicadas.

Ainda assim, as pessoas só conseguirão enxergar a foto que você postar no Instagram e críticas choverão. Irão dizer que você está sacrificando os “prazeres da vida” e “deixando de viver.” Aqui mora outra concepção errada: o processo pode trazer tanto (ou mais) felicidade que o objetivo em si.

Percepção de valor: encontrando a felicidade no caminho ao objetivo

Eu acredito fortemente que a vida é necessário alinhar-se com aquilo que lhe traga valor. Isso é o oposto que é pregado atualmente, numa época onde as pessoas preferem procurar alegria e prazer ao invés de felicidade ao longo prazo.

Muitos têm uma mentalidade orientada a resultados que recompensa o imediatismo e o volume: somos treinados no trabalho e na escola a ser rápidos, e trazer resultados em grandes números desde cedo. “Cadê aquele relatório?” “Busque os requerimentos do cliente!” “Já elaborou a apresentação para a reunião?” Desta forma, somos induzidos a minimizar prazos e maximizar o resultado obtido o mais breve possível, o que faz sentido num âmbito corporativo, mas não para o FIRE e a busca do desenvolvimento pessoal.

A felicidade e – mais importante – realização pessoal, por contraste, são providas pelo processo, junto com o objetivo final. Um exemplo disso é aumentar nosso aporte através de economias maiores: o objetivo final é aportar o suficiente para conseguir viver apenas dos proventos trazidos pelo capital acumulado, mas a maioria não consegue aceitar este objetivo. Eles acham que a economia precisa ter um objetivo definido para gastar: um carro novo, renovação da casa, uma viagem… quando a realidade é que no FIRE o investimento não tem prazo.

O praticante do FIRE, porém, entende que há um sentido maior no ato de economizar em si, e consegue tirar realização do próprio momento do ato: ele vê as economias acumulando, gastos grandes acumuláveis a longo prazo sendo evitados, e uma vida mais eficiente praticada, entre outras vantagens imediatas que não envolvem os objetivos de longo prazo. Além disso, ele entende que é justamente a repetição e prática destes hábitos frugais que irão pagar os resultados ao longo prazo; o quanto é entregue hoje é apenas uma pequena parte da história.

Exemplo prático: o que você pode fazer com R$500 ao mês?

Para concluir, vejamos na prática o efeito um hábito frugal na sua vida. Imagine economizar R$500 todo mês do salário.

Dependendo da sua renda total essa quantia pode ser significante, mas a realidade é que a maioria dos brasileiros em 2019 mal considerava a quantia. De fato, muitos fizeram piada ao recebê-la como FGTS alegando não valer nada hoje em dia. Mas mesmo com um poder de compra diminuído em relação a tempos passados, entra em campo o poder dos pequenos hábitos cruciais.

Se você economizar estes R$500 todo mês e colocá-los para trabalhar para você investindo, inicialmente não parece que os resultados serão significantes. Porém, tal como Galileu e os pássaros engaiolados, a mudança maior passa despercebida pelos bastidores. Quão despercebida?

Que tal a quantia de R$100000,00* ao final de dez anos só por esta economia mensal?

Quem achou que os R$500,00 por mês não valiam a pena no começo perdeu a oportunidade de guardar este tesouro no final da corrida. Quem preferiu beber, comer ou fumar esta quantia ao invés de investir se encontrou no fim da década com a mesma quantia no banco que começou. Valeu a pena? Seria realmente muito esforço conseguir guardar estes R$500 todos os meses?

Mesmo que venham argumentos como “mas com R$100k não é possível nem comprar uma casa ainda,” ainda é uma quantidade de dinheiro que não se pode ignorar. Você pode criar uma boa reserva de emergência, ou obter uma renda passiva complementar de R$600 ao mês investindo em Fundos Imobiliários.

Não há desculpas aqui: quando você vai começar a tomar uma pequena grande mudança na sua vida? Faça este ano novo uma mudança que irá lhe trazer benefícios exponenciais para a nova década que se abriu.

Feliz ano novo, e como sempre: abraços e seguimos em frente!

Pinguim Investidor


*Crédito vai para Yuka do Viver sem Pressa para a inspiração e cálculo dessa seção.

10 comentários sobre “Dez anos depois: por que é tão difícil associar mudanças pequenas com grandes resultados?

  1. Thiago Cruz

    A questão de Galileu não era se “a terra girava em torno do Sol” e sim se o Sol era centro do universo ou não. Obviamente ele estava errado, pois não só o Sol não é o centro do universo como não é nem mesmo o centro da Via Láctea.

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  2. Oi Pinguim, obrigada pela referência.

    Infelizmente para a maioria das pessoas, o que nós do FIRE fazemos não tem graça (economizar, aportar todos os meses por muitos anos). Eles querem coisas com emoção, um truque rápido, um milagre acontecer… E aí relevam o poder dos juros compostos…

    Gostei do post!!!

    Feliz 2020 pra você! Beijos.

    Curtido por 1 pessoa

    1. Olá, Yuka!

      Obrigado pelo comentário. É bom ter você de volta aqui! É verdade esse negócio da graça. Estava lendo num livro sobre o Warren Buffett onde ele diz que a maior parte dos erros cometidos pelos CEOs provém de suas hiperatividades e incapacidade de manterem a rotina do que dá certo. Que a paciência é uma virtude o FIRE é a maior prova!

      Abraços e seguimos em frente, e feliz 2020 pra você!

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